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sábado, 5 de maio de 2012

O Táxi

Tinha duas malas pesadas, dava passos largos e pesados, parecia que ia começar a chover.
Abriu a porta, entrou no táxi e o motorista sereno com cara de caipira em cidade grande, mas nada ingênuo, aguardou uns dois minutos antes de perguntar já que tinha arrancado o carro havia uns seis minutos.
-Vai ser pra onde?
Não respondeu. Olhou apenas através do vidro entreaberto lá fora e contemplou a paisagem, nem tão bonita. Seus pensamentos estavam longe.
A música no rádio lembrava vagamente alguma coisa, mas era em segundo plano, flenc flenc flenc, no violão. As mãos estavam suadas, ainda fechadas segurando alguma coisa como quem não quisesse soltar. Um homem na rua passava na hora do sinal vermelho, com a mão em concha; Sentiu raiva e pena... Tanta pobreza, discrepância com muitos e poucos. Mal notou sua sutil hipocrisia ao subir seu vidro um pouco mais. Pobreza de espírito.
O cheirinho de sonhos fresquinhos na padaria da esquina. As pessoas passaram tanta coisa ao longo dos anos, quase nem sonham mais, coitadas. Andam pra lá e pra cá, baratinadas... Será que têm alguma coisa por qual valha a pena lutar? Amar?
-Preciso saber pra onde, senhor.
Só acordou do devaneio por que o "ô" em "senhor" acabou saindo de forma desafinada, graças ao quebra-molas um pouco mais alto que de costume.
-Pára aqui rapidinho e me espera!
O motorista suspirou, meio bronco, de vida dura que bate pra valer. Esperou com paciência olhando seu amiguinho, o taxímetro. Confabulava algo. A música tinha um ar de jazz, embora fosse na verdade algo meio pop rock. Chovia. Subiu os vidros de vez e ligou o ar, cheiro leve avinagrado, mas embora chovesse estava bem abafado. Clima ruim, pesado. Tinha que trocar o forro dos bancos traseiros, o táxi andava tão gasto, tão rodado... Ontem mesmo entraram duas prostitutas e um banqueiro. Lembrou-se da primeira vez que chegou na cidade. Teve que trabalhar duro pra comprar seu táxi.
Alguns minutos passados e a porta se abriu novamente devolvendo para o banco de passageiro, o traseiro de quem o ocupava. Nem se deu o trabalho de perguntar, arrancou com o carro em qualquer direção. Não sabia se ouviu tímido ou seco o outro falar quando engajaram em algo perto de uma conversa. Pelo menos o mais próximo desde que o carro iniciara sua trajetória.
-Rodoviária, por favor.
O motorista que estava com vontade de ganhar um troquinho desonesto, queria saber se poderia enganá-lo e dar umas voltas desnecessárias, mas com as poucas palavras que tinham trocado não tinha como saber se era realmente dali.
-Sim, senhor. Alguma preferência pelo caminho?
Pausa. -Na verdade...
Não chegou a concluir. Pensou em bastante coisa, quando voltava da sua parada rápida, de 15 minutos, não estava muito empolgado com a vida. Não estava muito empolgado em pegar aquele ônibus e voltar pra casa. Veio-lhe então uma idéia de gênio, esboçou de leve um sorriso. Não deu tempo de pensar muita coisa pois o motorista interrompeu.
-O senhor está indo, ou voltando para algum lugar?
O sorriso alargou-se, involuntário, e ele gargalhou. Uma gargalhada de dar inveja ao bêbado mais extrovertido. Abriu a mão, revelando uma chave e um papel amarrotado que a envolvia, algo escrito, inteligível, em azul.
- Acho que estou indo, meu amigo! Estou indo!

domingo, 15 de abril de 2012

Se,

E somente se eu me conhecesse, tal como me conheci um dia... Afinal, um dia tive a certeza de que me conhecia; tão bem, aliás, que chegava a ser estupidez minha. Onde já se viu? É um quebra-quebra dentro de si. Em Si maior, ainda por cima: Lá, com Dó... De Ré no Sol...
Pois bem, mas, como dizia, se eu me conhecesse bem...
Digo conhecesse pois, por mais que eu me conheça, ainda não tive o desprazer de não me surpreender comigo em doses aleatórias. Vez fazendo tolices, vez dizendo coisas provindas de conselhos pré-disseminados para um tolo qualquer... Sim, tolo! De me ouvir, sabe? Que sábio cita conselhos assim, fora de contexto, fora de controle? Já era, meu bem. Já deu. Mas, enfim, não sou sábio, nem poderia. Me surpreendo em doses aleatórias como quando me pego comendo pipoca, assistindo seja aquele filminho cult, ou água-com-açúcar. Meio craque-craque, porque é bom mastigar quando você tem seu foco distante. Acho até que é meio assim, rural, ruminar aquele gosto que nada parece, que me poupa até de pensar, ali passivo frente à caixa de sonhos.
Mas como ia dizendo, se eu me conhecesse...